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Clipping do MATA!

 

                guerrilheiro não tem nome

O tempo impõe ao jornalista um estilo frio de enfrentar histórias. Ao longo da vida, o profissional adquire a prática de apurar e escrever narrativas sem demonstrar envolvimento com as personagens. O distanciamento, porém, costuma se limitar ao semblante. Há tempo na pesquisa sobre a guerrilha no Araguaia, no Sul do Pará, nos anos 1970, redescobri a tragédia e a beleza de cenas do movimento contra a ditadura, que sempre me pareceram quase familiares, ao assistir a peça “guerrilheiro não tem nome”, do Grupo Teatral MATA!. A força do roteiro, a simplicidade da cenografia e a interpretação dos atores me deram a sensação de ouvir pela primeira vez diálogos daqueles tempos difíceis.

 A peça mostra a atualidade de uma história que não começou nem se encerrou com a repressão militar. Quando o Revoltoso, nome dado nos sertões à Coluna Prestes, passou pelo Araguaia, nos anos 1920, muitos conflitos de terra e de poder tinham ocorrido por ali. Outros episódios dramáticos aconteceriam depois - a guerrilha foi um deles.

O Brasil nas cores leves do barro e da palha surge na direção teatral de Anderson Zanetti e na cenografia de Luiz Felipe Macalé. É nesse cenário, paradoxalmente explosivo, que ocorre a parceria entre uma camponesa e jagunços para prender a guerrilheira Áurea, interpretada por Airá Fuentes Tacca/Gabriela Felipe. O roteiro é corajoso ao revelar a violência que também aparece por meio de figuras abandonadas e, assim, o protagonismo de anônimos, para o bem e para o mal.

     A capacidade dos brasileiros em resistir a períodos conturbados está nas cenas. O Araguaia, numa lição talvez de esperança, mostra que é um erro personalizar demandas sociais. Diante da queda de referências e da ascensão – provisória - do arcaico, é preciso ter consciência de que a expansão por direitos continuará sendo uma exigência dos Brasis. Há um momento em que a guerrilheira Sônia, interpretada por Vanessa Biffon, diz a um militar, papel de Léo Oliveira, que não tem nome. Pelo fio de vida que ainda lhe resta, ela segue seu rumo na história viva”.

  Leonencio Nossa

              é jornalista e escreveu o livro “MATA! O Major Curió e as      guerrilhas no   Araguaia”, Companhia das Letras.

  

Grupo Teatral  MATA! – PRESENTE.

       Conheci o trabalho do Grupo Teatral MATA! primeiramente em conversas sobre o movimento de teatro de grupo e logo em seguida tive contato com o projeto da peça “guerrilheiro não tem nome”. Desde o princípio me vi interessado por conta do rigor da pesquisa e da proposta de levar à cena um episódio da História do Brasil muitas vezes  tratado de maneira superficial e pouco dialética.                                                                 Fiquei imaginando como, a partir da linguagem teatral, o grupo abordaria temas como estado de exceção, tortura, guerrilha, etc. Temas abordados repetidamente pelo cinema, que apesar de produzir grandes filmes, muitas vezes chafurdou em enredos melodramáticos nos quais as condições individuais se sobrepõem às implicações sociais, originando julgamentos morais de demônios e heróis e minimizando a complexidade política.

        A peça “guerrilheiro não tem nome” vai no sentido inverso: respeitando as implicações e casualidades políticas respeita os sujeitos que deram suas vidas para a transformação histórica. Assim o grupo narra  a Guerrilha do Araguaia permitindo ao espectador apreender lições necessárias (diferente de exemplos) sobre o caráter  contínuo e diverso dos antagonismos de classe em diferentes conjunturas.

Outra grande qualidade da peça é a de não pretender dar a palavra final sobre o assunto, inserindo-se em uma tradição crítica que vê na somatória dos trabalhos correlatos o verdadeiro campo de alcance do tema, contribuindo para a fruição de um ecossistema teatral que se dedica a contar a história de forma contrária à perspectiva dos que deram (e apoiam) o golpe que interrompeu o fluxo de conquistas da classe trabalhadora.

      Termino felicitando o Grupo Teatral MATA! pelo excelente trabalho de atuação, com um elenco comprometido que imprime ritmos diversos, transitando do realismo (necessário nesta peça)  aos expedientes narrativos com base no teatro épico, devolvendo ao público assuntos de interesse da coletividade. Em meio ao hipersubjetivismo do tempo do “cada um por si” a peça responde com o chamado coletivo: PRESENTE.

Thiago Reis Vasconcelos

Cia. Antropofágica.

Matéria sobre o espetáculo “guerrilheiro não tem nome” no “Blog do Arcanjo-Portal UOL de notícias”:]

Texto na íntegra do Blog do Arcanjo sobre o espetáculo “guerrilheiro não tem nome”

Por Miguel Arcanjo Prado

   Tirar a Guerrilha do Araguaia do “ponto morto da história” é o objetivo do diretor Anderson Zanetti e seu Grupo Teatral Mata! com a peça “Guerrilheiro Não Tem Nome”. A obra é apresentada gratuitamente neste mês de maio em três teatros de São Paulo. No foco, a luta armada contra a ditadura que aconteceu na década de 1970.

“Precisamos preservar nossa memória histórica. Negar o passado é negar o presente”, afirma o diretor. Ao levar esta temática para o palco, ele e seu grupo querem mostrar que a tortura persiste no Brasil democrático. “Falar de jovens que lutaram contra a ditadura civil-militar brasileira é, inevitavelmente, desvelar a herança fascista presente em nossas estruturas sociais”, afirma Zanetti ao UOL.

    O diretor enxerga a peça como “mexer no vespeiro”, sobretudo no cenário de forte crise política que vive o Brasil atual. Ao fazer um espetáculo que fala de jovens que enfrentaram os militares e foram assassinados, Zanetti quer também rechaçar o recente discurso do deputado Jair Bolsonaro, que homenageou o coronel Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça como torturador nos anos de chumbo, na votação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, em 17 de abril último.

Zanetti chama Bolsonaro de “uma cópia mal feita de Curió”, personagem  militar de sua peça, encarregado, segundo ele, “de fazer o serviço sujo”: “O discurso do Bolsonaro é tudo aquilo que está ‘nas entre linhas’ dos discursos de muitos deputados, é tudo aquilo o que eles pensam, mas não dizem porque há um ‘bode expiatório’ que faz muito bem o ‘serviço sujo'”, afirma ao blog. E conclui: “Porém, como todo o ‘boi de piranha’ é abandonado para salvar seus iguais, tal como aconteceu com Curió, esse parece ser o caminho certo de Bolsonaro”.

      Além de Zanetti, integram o Grupo Teatral Mata! Léo Oliveira, Luiz Felipe Macalé e Vanessa Biffon. Em cena, estão Léo e Vanessa, além de Gabriela Felipe. A companhia existe desde 2012 e , desde 2013, pesquisa artisticamente a Guerrilha do Araguaia. Uma das fontes foi o livro “Mata! – O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia”, escrito pelo jornalista Leonêncio Nossa.

Crítica sobre o  espetáculo “guerrilheiro não tem nome” no site “Ator Criador”:

Texto de Rafael Carvalho citando o Grupo Teatral MATA! Postado no site Ator Criador, na íntegra:

                                        Os Muitos Brasis

Por Rafael Carvalho

    Certamente, abril de 2016 é o mês onde os brasileiros estão repensando, e muito, sua nacionalidade, seus valores vêm se revelando na superfície de um mar de lama que ainda corre calado por nossas vias. De quantas tragédias precisamos re-viver para mostrar a fragilidade de nossos ideais. E que ideais são esses? Felizmente, ainda há ar nos palcos! Lá ainda somos instrumento de liberdade de fala. Lá ainda presenciamos artistas que falam nossa língua ou ainda, nos transportam para a história que insistimos em esquecer ou sublimamos dentro da camada de lama que corre da boca de “nossos”  representantes políticos e novos auto-denominados líderes da nação.

     Nos palcos paulistanos, o mês de abril traz uma perspectiva de Brasis que já se foram pela força do tempo e que, naturalmente se fazem atuais. Neste mês falo um pouco da produção de Felipe Hirsch com o Ultralíricos 5, que estreou na 3ª MIT SP; a produção de uma nova companhia, o Grupo Teatral Mata! e seu olhar sobre a Guerrilha do Araguaia e a presença do norte-americano Robert Wilson para uma produção essencialmente brasileira, Garrincha.

Em A Tragédia Latino Americana e a Comédia Latino Americana – Primeira Parte: A Tragédia Latino Americana, de Felipe Hirsch, que esteve no Sesc Consolação até 17 de abril – o dia em que ouvimos um número insuportável de dedicatórias a Deus, aos filhos, netos, sogras e papagaios de estimação para um voto favorável ao impedimento de nossa Presidenta da República –, estava eu na plateia deste acontecimento teatral onde autores e atores de diversas nacionalidades da América Latina foram o foco de uma produção ousada, 15 cenas entre contos, cartas manifesto e peças curtas encenadas em série, separadas por 2 atos, narrando a essência de um povo colonizado até os dias atuais. Na grande encenação de Felipe Hirsch, blocos de isopor compunham o espaço, que primeiramente eram organizados como um grande bloco, depois, desconstruídos e realocados no espaço como um grande piso – o mármore divino, branco e puro – e depois, novamente desconstruídos e novamente levantados de maneira organizada, encaixados como nossa sociedade, que constrói seu pensamento diante do caos e de mesmo modo manifesta seu dom de destrui ideias. O tom preto e branco de figurinos, da luz e do espaço de cena é a abertura para as cores que se fazem evidentes em nosso continente, que também é carregado por uma variedade de línguas: a portuguesa, o castelhano e os “invasores” que até hoje nos colonizam com seu inglês ou seu francês.

     A tragédia contemporânea, diferente do propósito da Grécia Antiga, hoje tem gosto de ironia, rimos de nossos horrores e não nos sentimos atravessados diante do absurdo.

Neste último dia de temporada, o elenco contou com uma liberdade deliciosa ao apontar os principais articuladores da instância de absurdo que percorre nosso país. Ao final do espetáculo, o ator Guilherme Weber enaltece a possibilidade de liberdade de expressão que ainda existe nos palcos e de bravos artistas que não permaneceram parados diante da ditadura para fortalecer sua voz como nação, como foi o caso do ator Renato Borghi, que estava na plateia e foi homenageado pelo elenco.

     A segunda parte do projeto, A Comédia Latino Americana, acontecerá no Festival Íbero Americano Mirada.

Guerrilheiro não tem nome, com direção de Anderson Zanetti aponta para o Brasil que esquecemos, assim como outros que deixamos apagar em nossa memória construída por livros de História carregados de imagens e breves argumentos. No espetáculo, a dramaturgia construída em caráter coletivo, aponta para recortes da vida de jovens que empunharam armas na Guerrilha do Araguaia, que tinha por objetivo fomentar uma revolução socialista, iniciada no campo, precisamente na região amazônica brasileira e altamente rechaçada pelas Forças Armadas, que neste período, começo da década de 70, já representava a truculência de um poder que se fortalecia em todo o país. Na encenação do Grupo Teatral Mata! o corpo é o instrumento narrativo do trio de atores que revezam por uma grande variedade de personagens, entre os principais jovens guerrilheiros e guerrilheiras e seus algozes, o discurso épico foi fundamental no pensamento da dramaturgia, pois, apesar de carregado de informações, permitiu estabelecer uma linha através da verdade e da crueldade sofrida por brasileiros que acreditavam numa sociedade mais justa. Há uma beleza no apuramento dos corpos, sobretudo no início do espetáculo, que dá um enfoque no estado latente de guerra dentro dessa camada da população, que viveu na espreita, como bichos, preparados para dar a vida em nome de seus ideiais. Essa força, como tradução da vida desses homens, por vezes se suavizava ao longo espetáculo, que conta uma troca excessiva de personagens para trazer outros recortes e momentos dessa trajetória, ao final ganha novo fôlego e por um chamado particular ao público, a de manter a atenção para a cena que viria, o estado de tensão novamente se evidencia.

     O discurso dos autores/atores, talvez não por acaso, seja a tradução de um Brasil que há mais de 40 anos foi calada e que agora, com o advento de uma liberdade de expressão desenfreada, narra com tom da década de 70 o país de hoje, que possui forças tão armadas como o daquele tempo, que ainda sofre a influência do silenciamento das camadas populares, que não quer mostrar o interior de nosso interior.

     Se os guerrilheiros do Araguaia não tinham nome naquela época, hoje, os avatares escondem quem somos verdadeiramente e assim podemos atirar podres palavras ao futuro que nos cobrará o que fomos/somos.

     No meio de campo entre o real e o fictício está o ícone do teatro mundial, Robert Wilson, que retorna à São Paulo no final da parceria com o Sesc SP para a encenação “100%” tupiniquim de Mané Garrincha. No espetáculo, que contou com estreia no dia 23 de abril, Bob Wilson apresenta como sempre um universo carregado de imagens, com bela intensidade de cores e grande orquestração para a mise-en-scène que alterna como que da água para o vinho no palco. A história de Garrincha é pretexto para a exploração de quadros que compõem a vida do atleta, que em momento algum coloca o pé numa bola. É o mito em volta de Garrincha, o cotidiano de seus admiradores e seu envolvimento com a bebida e os amores que ganham evidência na encenação, que não dá destaque para uma estrutura narrativa formal e prefere evidenciar na música e na contemplação da imagem, o inconsciente de um homem que conhecemos por ser o grande bailarino dos campos de futebol. Certamente os maiores destaques do espetáculo são para os músicos brasileiros que executam a trilha ao vivo e o elenco feminino negro que é forte e ultrapassa a linguagem do encenador, brincando com a precisão de gestos e formas propostos. Talvez dentre os grandes espetáculos com a assinatura de Bob Wilson que vimos nos últimos anos em São Paulo, esse esteja à altura de um dos mais belos que foi “A Ópera dos Três Vinténs”, de Bertolt Brecht, com o Berliner Ensemble. Qualidade esta justificada pela qualidade de seu elenco. Em Garrincha, o elenco feminino citado anteriormente dão vigor para o que já conhecíamos em espetáculos anteriores, elas não apenas se enquadram à forma de fazer do encenador, mas inovam e evidenciam uma estranheza que em muito se distancia do modo de fazer arte nos palcos brasileiros. A referência constante a um mundo visual, quase como dos desenhos animados, em somatória com os grandes recursos cênicos de luz, cenografia e sonoridade são gigantes que engolem a inventividade que nosso país aprendeu a realizar sem muito dinheiro. Muitas vezes, foi da escassez que tiramos nosso material mais potente. É verdade que nos últimos anos nosso teatro tem sofrido grande influência dos musicais norte-americanos e isso nos tem feito repensar a ideia de entretenimento e dos valores que o público busca. Nesse sentido, temos um ótimo referencial, que gera críticas, sobretudo pelo alto investimento financeiro, mas que também oferece uma abstração do óbvio, falo de Robert Wilson com seu Garrincha. Um Garrincha brasileiro, porém, nem tanto. Um Garrincha que poeticamente sempre esteve ao redor de seus pássaros, engaiolado num belo e eterno vôo. Nesse campo, Bob nos leva a viajar, lentamente, contemplativamente a figura abstrata que parece, mas não está tão distante de nós.

Matéria da Revista Principios Janeiro/Feveiro  2016. 

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